Sobre moda, flanâncias e tartarugas

Iniciamos nosso encontro de ontem (sexta-feira 13) falando sobre Marina Abramovic. Refletimos sobre sua arte, sua trajetória e levantamos hipóteses a respeito do significado de seu método. Discutimos também sobre como entender seu gosto pessoal pela alta costura, pelas celebridades, pelo mundo pop. De minha parte, sinto um pouco de desconforto por não conseguir conectar ou entender sua arte que visa a buscar um tempo diferente e simultaneamente, por exemplo, se colocar num elogio aberto e irrestrito ao glamouroso mundo da moda. Entendo esse “tempo diferente” citado acima como sendo diverso do tempo acelerado da vida moderna, em que nos vemos numa corrida ensandecida cuja finalidade primordial é consumir o máximo das cores, das belezas, satisfazendo desejos efêmeros freneticamente.

Logo depois de nosso encontro vi uma postagem no Facebook enviada pela Cristine Conde, nossa figurinista, divulgando uma exposição na Alemanha intitulada “Fast-fashion” que me fez pensar mais atentamente sobre o tema. Compartilho aqui o seu conteúdo:

“Essa exposição tem o intuito de incentivar o questionamento sobre a moda e seus impactos social, econômico e ambiental. O objetivo é lançar um olhar crítico sobre os bastidores do que seria o glamouroso mundo da moda considerando o consumismo, os interesses econômicos e as questões ecológicas. Para isso abordará temas como: moda e vítimas; pobreza e riqueza; efeitos globais e locais; salários e lucros; vestuário e produtos químicos; roupas e bagagens ecológicas e novas tecnologias de fibras. Uma ala da exposição é destinada ao “Laboratório”, uma plataforma para marcas de moda ética ou com novas abordagens, como reciclagem e upcycling, desenvolverem novos aspectos de design. Esse espaço pretende mostrar como será um guarda-roupa sustentável no futuro”.

E após saber dessa exposição concluí que se a moda entra num contexto sustentável e atenta aos impactos social, econômico e ambiental, então a arte de Marina Abramovic e sua persona nessa conjuntura, em minha opinião, se equilibrariam.

Falamos também sobre o conceito de “flâneur”em que Walter Benjamin descreve Charles Baudelaire como sendo um flâneur, explorando a multidão na embriaguez. Segundo Aminata Says em seu comentário sobre o artigo “Cultura, Massas e Culturas de Massa”:

“Baudelaire é o primeiro a fazer a experiência da modernidade do espaço urbano, decifrando as multidões dos passantes até sentir a pesada angústia do anonimato e da multidão. A modernidade de Baudelaire consiste, por conseguinte, a encontrar os meios poéticos para capturar “a experiência catastrófica da cidade”, para inventar as palavras e o ritmo capazes de exprimir a crise do mundo moderno”.

Descobrimos também em nossos estudos que o flâneur, segundo Sérgio Roberto Massagli, “é um “ocioso” a caminhar como uma “personalidade” que rejeita a divisão de trabalho e a industriosidade da sociedade de então”. Benjamin diz que “era de bom-tom levar tartarugas para passear pelas galerias de Paris, como uma forma de protesto contra o ritmo imposto pelo capital”.

Resolvemos, então, buscar mais referências sobre o tema.

Texto: Marcia Costa

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Cléo é uma pessoa.

O pouco que sei é o pouco que me mostra, é o muito que fala, que devaneia e que me deixa deslumbrada, incomodada com suas frases que aparentemente não fazem sentido. Talvez não exista a pretensão de fazer sentindo, aliás, qual é o sentido de buscar sentido para tudo? Por que eu busco sentido na Cléo e nos seus dizeres e não apenas jogo suas frases soltas? Mas ao invés disso eu fico aqui, à noite, tentando costurá-las e fazer sentindo para alguém que (talvez) ao vir no teatro busque um sentido…

Já está tarde, o tempo corre e eu cansei de querer transformá-la em alguém que ela não é, eu não vou ligar os pontos, encaixar as peças… Eu vou brincar de liberdade, eu vou brincar com a liberdade, eu vou viver ao menos nesta obra, ao menos por um tempo… Tempos de Cléo.

Cléo: É que às vezes eu sinto uma vontade louca (louca) de dizer… E aí eu digo!

Cléo muito se pergunta pelo tempo.

Cléo é para os outros um relógio quebrado. Que pouco está certo, que pouco trabalha, que nada caminha, que pouco tem lógica.

Cléo: Hoje não vai ter teatro. Não vai ter peça, não vai ter interpretação! Pode ir embora! Coisa estranha falar de quem não tem assunto.  Tudo inveja!

Texto: Carolina Santana

De Estamira a Benjamin

Olá, queridos companheiros de viagem!

Desculpem nossa ausência nos últimos dias. Temos uma gestante em nosso grupo e de vez em quando ela, que está com oito meses, precisa descansar e cuidar de si e da sua baby! Além disso, andou chovendo, tá rolando todo esse movimento de greve, temos tantas outras coisas para fazer enquanto o dinheiro da Funarte não entra na conta … enfim!

Nossos últimos encontros tem sido de estudos. Combinamos de assistir ao documentário “Estamira” no feriado de Carnaval e no dia 26 de fevereiro nos reunimos para compartilhar entre nós essa experiência que foi rever, sempre com novos olhos, esse filme.

Cada um citou as cenas e falas que mais chamaram a atenção, observamos algumas semelhanças entre Estamira e Cléo e enumeramos algumas questões que podem colaborar com a dramaturgia do nosso espetáculo. Entre os pontos anotados estão, por exemplo, a força do olhar dessas mulheres, a maneira como elas se impõem, o jeito poético e filosófico de falar, etc.

Depois Gabi passou o capítulo de um livro para lermos. Em “Ensaios de atuação”, de Renato Ferracini, atores compartilham o processo de criação coletiva do espetáculo “O que seria de nós sem as coisas que não existem?”, do Lume Teatro (Campinas / SP), construído a partir da investigação sobre uma antiga fábrica de chapéus daquela cidade, conversas com antigos e atuais funcionários e outras experimentações que se assemelham um pouco com o nosso processo. Discutiremos esse texto no encontro da semana que vem.

No encontro desta semana, que foi hoje à tarde na UEM, Marcia comentou o livro “Obras escolhidas III – Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo”, de Walter Benjamin, indicado pelo querido professor Alexandre Villibor Flory. Marcia ainda está lendo o material, mas já sentiu contribuições, anotou expressões e colheu informações sobre as quais deverá escrever mais tarde.

“Me sinto uma colcha de retalhos, embebedando-me de histórias individuais que formam uma história coletiva”, comentou Marcia. Discutimos algumas questões sobre o texto do espetáculo, que está sendo alinhavado pela Carolina Santana a partir de cada encontro e das histórias coletadas. Aliás, em breve compartilharemos pedacinhos do texto, que está ficando bem bom.