Crítica: Um espetáculo em movimento

 

Por Jéssica Gabriele de Oliveira*

A primeira vez que seu nome me veio à tona, me coloquei a pensar sobre essa palavra e suas significações: TEMPO, ou Tempo(s), como no título. Esta mesma palavra não fala só da duração das coisas, mas também de distância, comunicação e solidões (que engraçado uma palavra sozinha poder ser plural não é) fala de um tempo de descobertas passadas e de repetição de erros: quanto tempo nós dispomos a observar às pessoas invisibilizadas a nossa volta? Cléo são todas as mulheres traídas pela história, e não pela ação do tempo, mas pela forma como essas histórias foram contadas. Cléo fala das políticas públicas ineficientes ou mesmo inexistentes, mas também da delicadeza no olhar de uma mulher que observa o mundo por outras lentes. Cléo são as prostitutas e os moradores de rua que paradas(os) nas esquinas do mundo, são considerados sem lugar, utilidade ou propósito. Tenho sempre a impressão de que as coisas que não se prestam ao capitalismo parecem não servir, ou não pertencer a sociedade, no sentido de serem reconhecidas, observadas ou apreciadas. “Por que o ouro vale mais que a água?”

Não estamos habituados a reconhecer a diferença, dificilmente estamos dispostos a nos habituar, a apurar os olhares, a conhecer e reconhecer outros tempos. T-E-M-P-O-S. Quanto tempo até percebermos que somos muitos? Quanto tempo até aprendermos o tempo do outro, até comunicar, chegar ao outro. Cléo parece estar sozinha, e ela está, num mundo cheio de gente “esquizofrênica”, ela parece ser a inconveniente e desajustada. Mania que a gente tem de querer colocar todas as pessoas numa mesma caixinha, pois eu digo uma coisa: ser desalinhado é lindo, andar no (contra)tempo, também é.

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A atriz Márcia Costa faz isso de uma forma graciosa, escorregando pelas nossas certezas e tirando nosso conforto, estende a mão e depois a recolhe. O projeto é predominantemente pensado e executado por mulheres – com produção impecável da Rachel Coelho, direção de Gabi Fregoneis, texto e assistência de direção de Carolina Santana e figurino assinado por Cristine Conde – e traz aos olhos toda a importância do tema e a necessidade de mais prêmios que contemplem o teatro e a atividade cultural no país. Ao experimentar a peça, é possível perceber a coletividade e o trabalho de todas as envolvidas, Carolina Santana, que se formou em Artes Cênicas na primeira turma do curso de graduação da UEM, compõe um texto poético, que dá espaço para a criação da atriz e se adapta facilmente a rua, a aparente desconexão, é na verdade eco das diversas vozes representadas por essa mulher solitária chamada Cléo. O figurino de uma simplicidade e uma grandeza tamanha, que ocupa espaço, olhares, causa sensações (tendo em vista o calor que estava fazendo na feira no dia que tive o privilégio de me deparar com os tempos de Cléo).

A peça foi pensada para a rua e voltando meu olhar para os aspectos formais da mesma, não poderia deixar de considerar a assertividade da escolha, a rua é o lugar dos desajustados, do não-lugar e não existe melhor espaço que a rua, para mostrar as verdades que a gente tenta esconder dentro de nossas casas, no nosso âmbito privado, na “família”. Como diria Foucault ao se referir à sexualidade, mas que cabe perfeitamente aqui também, se pensarmos pelo aspecto do não dito, “a repressão funciona, decerto, como condenação ao desaparecimento, mas também como injunção ao silêncio, afirmação de inexistência e, consequentemente, constatação de que, em tudo isso, não há nada para dizer, nem para ver, nem para saber.” É na rua que essa peça precisa estar, ela precisa ocupar todos os espaços públicos possíveis, pra falar de políticas, afetos e contribuir para fortalecer o cenário teatral maringaense.

Um espetáculo em movimento, que balança nossas certezas e nos coloca em desconforto, que envolveu o trabalho e o tempo de diversos artistas e produtoras(es) culturais e que merece espaço e reconhecimento. Diante de tantos “tempos” apagados pela história – o tempo das mulheres, dos negros, dos homossexuais – é necessário falar sobre cada um deles, a gente precisa falar sobre os tempos de Cléo. E quer forma mais propícia para se fazer isso do que a forma teatral e os mecanismos que a arte propõe? “E tem até um cafezinho! Só que é meio amargo mas… é a vida, não é?

*Jéssica Gabriele de Oliveira é formanda do curso de Artes Cênicas da UEM e escreveu este texto na disciplina de Crítica Teatral, ministrada pelo professor Élder Sereni Ildefonso

Crítica: Um presente para Maringá

Por Tamires Pereira Schmitt

O espetáculo Tempos de Cléo foi contemplado pelo Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz/2014 e apresentado em diversos espaços públicos da cidade de Maringá-PR. Com suas pesquisas iniciadas em julho de 2014, a equipe apresentou um trabalho sensível, crítico e envolvente durante toda a temporada em que esteve em cartaz.

Com direção de Gabi Fregoneis, produção de Rachel Coelho e texto e assistência de direção de Carolina Santana, a atriz Márcia Costa nos leva a um imaginário quase que intocável, o do cotidiano de quem vive nas ruas. Durante esses 12 meses de pesquisa, construiu-se uma personagem inspirada principalmente em Cléo, uma mulher que está fora dos padrões normativos impostos socialmente e que passa grande parte do seu dia circulando pelos blocos da UEM – Universidade Estadual de Maringá, empurrando seu carrinho e interagindo com as pessoas dentro de sua lógica própria de raciocínio. Para além de Cléo, a equipe buscou conhecer mais pessoas em condições parecidas, fora do circuito universitário. Surgiram histórias tristes, engraçadas e também felizes, o que nos dá a possibilidade de sair deste espaço confortável que buscamos nos colocar. Um espaço que está dentro de cada um de nós, onde armazenamos aquilo que conhecemos e recorremos a estas referências a todo tempo para nos sentirmos parte, apenas do que interessa, de tudo que nos rodeia.

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A imagem de uma pessoa que vive na rua não nos é estranha, isso está gravado em nós, porque já vimos. Mas onde essa experiência está guardada? O que fizemos e/ou fazemos dela? Como encaramos o contato com esse imaginário? O que esperamos de alguém que vive em situação de risco? São perguntas que Tempos de Cléo me instigou a refletir sobre. A atriz nos mostra que essas pessoas, renegadas às margens da sociedade, têm um olhar incrível sobre a imensidão que a cidade, o tempo e as relações representam. Quando a personagem pergunta, por exemplo “Porque é que o ouro vale mais do que a água?” paira sobre o público um silêncio quase que constrangedor, um constrangimento por fazer parte desta lógica subversiva de valores em que vivemos. E assim se sucede uma avalanche de pensamentos e sacadas que só sendo alguém que está de fora desta lógica para exercitar o olhar com tal perspicácia.

A ideia de espetáculos realizados em locais públicos sempre vem associada, de alguma forma, à reação dos transeuntes. Neste caso, podemos compreender também a importância política do trabalho. O figurino e adereços não fazem questão de apresentar uma estética agradável visualmente, mas sim que levem à reflexão sobre seus significados. Observar o olhar das pessoas que passam e suas reações faz parte da rica experiência proporcionada pelo espetáculo, a qual pode nos aproximar da personagem, agora com um olhar sociológico e colocar em prática o exercício da empatia para com o próximo.

A importância do trabalho para repensarmos a cidade, o tempo, nossas relações e a lógica da organização do sistema em que vivemos é inquestionável. Isso sem falar na sensibilidade com que essas questões são abordadas. Tempos de Cléo é um espetáculo emocionante, que nos abraça como nos abraçam aqueles longos e necessários tempos de reflexão sobre a vida. Sem dúvida um presente para a cidade de Maringá e para a humanidade.

*Tamires Pereira Schmitt é formanda do curso de Artes Cênicas da UEM e escreveu este texto na disciplina de Crítica Teatral, ministrada pelo professor Élder Sereni Ildefonso.

Crítica: De rua em rua

Por Rodrigo Lanzoni Fracarolli*

Viajar pelo Brasil é uma atividade de descobertas. Um bom viajante não reconhece a grandeza de um lugar por seus pontos turísticos, seus cartões postais ou seus chaveiros, mas pela rua. É na rua que estão as principais características daquele povo. Seus preconceitos, suas angústias, sua fé, sua força… Tem rua em que você parece invisível. Passa carro, moto e caminhão, passa fumaça, passa sozinho. Tem rua em que você se sente parte. Dona Aparecida lhe abre um sorriso e chama logo o Carlinho pra te mostrar onde fica o mercado, fechado por causa do feriado. Cada rua tem seu nome e sua história, narrados pelo maior personagem da nossa sociedade: o povo.

Sabe aquele figura que passa e todo mundo percebe? Aquele que todos sabem o nome, mas ninguém sabe onde mora? Aquela pessoa que às vezes dá medo, mas que no fundo nos faz pensar? Essa pessoa é a Cléo.

Em tempos de Cléo esse universo que está exposto na rua, e que ninguém vê, ganha destaque em uma aula de humanidade, de sabedoria.

O texto de Carolina Santana é extremamente coerente com a poesia que poucos enxergam na rua. Fragmentado, com idas e vindas, mudanças de ritmo, de tom, o texto atinge cada vez mais fundo na nossa consciência. Méritos também da atriz Márcia Costa, que torna vivo o texto da Carol. Ao longo de uma semana após assistir a peça, uma voz continuou em minha mente me perguntando: você faz economia ou a economia que te faz? A economia, a engenharia, a pedagogia, a escola, a TV, os jornais. Eu sou o que sou o que fizeram de mim? Será por isso que aquela pessoa da rua, sem tanta influência, se torna imensa, verdadeiramente ela?

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Esse gigante morador de rua apareceu no dia 07 de novembro de 2015, na praça Raposo Tavares. Um sujeito anônimo foi ouvido por todos, sem o auxílio dos auto falantes. Este senhor protagonizou uma cena que roubou minha atenção por diversas vezes. A peça parecia ter sido montada para ele. Ele se emocionou, chorou, riu alto, tomou café. Conversou com cada um dos espectadores e, obviamente, com Cléo. A primeira resposta que vem à mente de qualquer um é a mesma: esse sujeito está bêbado e não diz coisa com coisa. Mas será? Não seria aquela a capacidade de sensibilização perdida em nossas formatações sociais? Me senti incapaz de me emocionar perto daquele senhor. Ele estava com sua mãe, que queria muito ir embora. Perderam um ônibus para Marialva pois ele queria muito ouvir a Cléo, com quem ele cresceu junto e que tinha uma irmã, chamada Elisabeth (em francês). Chorou copiosamente cada vez que lembrou de Elisabeth. Depois parou, para cantar junto com Cléo.

A peça toca, comove, faz refletir, mas a personagem Cléo ainda é muito menor do que a Cléo. Isso está longe de ser uma crítica negativa ao grupo responsável pela peça, mas é um alerta lembrando que a rua merece uma representação à altura. É preciso ouvir o que a rua tem a dizer. E este conselho não é dado só ao grupo…

*Rodrigo Lanzoni Fracarolli é formando do curso de Artes Cênicas da UEM e escreveu este texto na disciplina de Crítica Teatral, ministrada pelo professor Élder Sereni Ildefonso.

A visão cósmica da Rua em Tempos de Cléo

Texto e fotos: Lucas Fiorindo

Hoje, o senhor da garapeira na esquina me falou que não se deve, de jeito nenhum, tomar a garapa e depois tomar algum café. Por quê? Porque dá dor de barriga e solta o intestino. E lacrou com tom de certeza absoluta: “Pode acreditar, é de lei, isso é fatal!”

Acompanhei à distância o processo criativo de Tempos de Cléo, imaginando o quão potente estaria sendo e que caminhos misteriosos aquela pesquisa abriria para o trabalho de criação. Depois, pude ter em mãos e fiquei instigado ao ler, pronto, o texto, o croqui e as artes da programação visual. Me enchi de ânimo artístico ao acompanhar alguns ensaios. E agora, vendo tudo materializado e a valer na Rua, posso dizer um pouco mais detalhadamente como o trabalho me afeta enquanto espectador e artista. E como reverbera.

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A personagem Cléo se manifesta em legião. Ela é uma consciência que se forma pela intersecção de fragmentos de percepções existenciais captadas e coletadas dos viventes da Rua. Muito além de histórias, causos, opiniões, são, antes, percepções. Cléo intermedeia o choque entre o modo de apreensão direto que há na Rua e o modo de apreensão virtual que há na vida dos que estão na Plateia. A percepção direta pelos sentidos; e a aquisição de conhecimento/pensamento estruturado em linguagem. A primeira precisa da experiência lúcida do tempo e dos fatos, a segunda necessita de ordem. E Cléo diz já ter deixado de ser ordenada.

Sendo assim, ela fala através do caos, numa sequência de impulsos, mudanças de temática e estados de espírito que, no primeiro momento, soam deslocados, mas, no seu inevitável encadeamento, vão criando uma carga de provocações da mesma natureza que uma parábola ou uma analogia são capazes de criar. E é assim que os profetas se expressam.

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A aguçada percepção, faz de Cléo um ponto de acúmulo de experiência. Ela é muito lógica. Na Lógica que é própria da Rua. Na Rua também tem Lei e é melhor obedecer *. A Rua aparece então como a única Instituição existente ou acessível àqueles que nela estão. A Rua é casa, família, escola, religião, ciência, imprensa, polícia, câmara, congresso, tribunal, entretenimento… E Cléo, como a profeta de sua legião, se põe como professora, sacerdotisa, jornalista, investigadora, cientista, conselheira, júri, artista…

E assim, nos faz pasmar ao relembrar, por um instante, que, de fato, tudo isto está interligado de alguma forma. O seu falar dissolve, entre si, nossas bem delimitadas e especificas searas de conhecimento. Nos faz notar como essa estrutura ordenada em que confiamos não é confiável e que nossa percepção está condicionada pela demanda de tempo (pressa), informação, economia, aparelhos eletrônicos, instruidores, formadores de opinião… somos gente preguiçosa dominada por robô*.

Se estamos fragmentados, Cléo nos diz que a Rua é o lugar onde tudo se conecta. Sua palavra para isso é Sabedoria e seu conselho é a primazia dos sentidos e da intuição: A gente aprende só de ver, a gente aprende só de ouvir. Se o mato está alto, é porque o lugar está abandonado. Se tem urubu, é porque tem coisa podre, carniça*.

Rajneesh, mestre da arte de medição, ensina a diferença entre Conhecimento e Sabedoria: Conhecimento é acumulo de informação, pode ser aprendido e é periférico. Sabedoria é entendimento, vivência e está ligada ao Ser. O conhecimento divide a realidade em conhecedor, conhecido e conhecimento. A sabedoria unifica, dissolvendo definições e fronteiras. O caminho da sabedoria é a meditação. E ele cita o Buda Gautama que define: “meditação é quando você está Testemunhando”.

E pra mim, Cléo é Testemunha. Vê o Todo a partir da sua posição de lótus asfáltico e publica, aos berros, a visão cósmica da rua. Visão que demorou mil anos – no seu ritmo de passar o tempo – pra ser constituída, com observação e destruição dos paradoxos (trocadilos*) que existem entre o que é considerado como conhecimento e o que é, de fato, manifesto.

Falando agora mais especificamente, realço minha admiração pelo texto da Carolina Santana, que com muito tato e competência descobriu/criou um fluxo de consciência adequado pra esse ponto de recepção e transmissão de percepções diversas e compilou uma ‘arquitetura’ muito singular da fala.

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O figurino de Cristine Conde é assustadoramente a materialização da essência do processo de pesquisa. O jeans é a segunda pele dos que passam pela rua, independentemente do seu engajamento econômico, idade, tribo. Algumas peças jeans são usadas por tanto tempo que se transformam num simulacro da personalidade de quem usou. Os objetos esquecidos nos bolsos sinalizam os costumes, a atividade, a história, o estado emocional, etc. O figurino, então, construído por esses fragmentos, enriquece deveras a ideia que tenho defendido. O figurino também é uma legião. Traz tons genialmente equilibrados de moradora de rua, de profetiza, de mulher, de concreto, de épocas, estilos, camadas sociais, enfim, de percepções…

O projeto visual do Sérgio Augusto também é certeiro e enriquecedor para o projeto. Ele soube utilizar os campos semânticos presentes no processo da montagem, mas manteve seu espaço criativo. Isto ampliou a abrangência do trabalho.

Em todos os detalhes de execução do projeto percebe-se a competência da produtora Rachel Coelho que, atuando assim, traz para a cidade de Maringá novos critérios para a produção artística. Tanto na forma de conceber os projetos, escrevê-los e enviá-los às instâncias federais, quanto na sua execução e principalmente na preocupação com a divulgação, primando pela qualidade do que chega antes do espetáculo até o público.

Percebo que na direção, Gabi Fregoneis foi, intencionalmente e segura disso, mais uma disparadora de direções a serem exploradas que uma encenadora detalhista e exigente. Isto faz o caráter performático do espetáculo e só é seguro e possível graças a experiente e excelente atriz que é a Márcia Costa.

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Eu acompanhei os últimos ensaios e as apresentações. Pude perceber que o espetáculo continua crescendo em Sabedoria agora que está na Rua. Márcia, como Cléo, está com a percepção ativa e vai captando a essência dos lugares, descobrindo novas formas de ativar as riquezas do texto e de criar relações nesta instância.  Sua energia cênica e carisma são inquestionáveis. A peça se faz espetáculo e a legião Cléo tem vozes na boca de Márcia.

Depois disso tudo, eu gostaria de me intrometer construtivamente, tentando explicitar melhor alguns apontamentos que já fiz pessoalmente à Márcia:

Ao longo da peça surgem procedimentos importantes na coesão energética, são, no geral, as excelentes canções musicadas pelo Édipo Ferreira e as potentes construções cênicas como a da mulher esfaqueada, que é representada quase que como uma santa misericordiosa; além da Jessyca, e da hora do café e do radinho de pilhas que pinga sangue em notícias policiais. São procedimento que, feitos como são, impulsionam o espetáculo e fortalecem Cléo.

Mas ocorrem alguns relativamente longos período de ênfase no texto em que a atenção do público tende a se distanciar, o que obriga a atriz, sentindo isso, a ampliar a energia de transmissão. Isto, na minha percepção, enfraquece um pouco Cléo, que é mais uma antena que uma emissora. Então aparecem períodos em que Cléo acaba perpetuando um tom e não consegue saborear bem as mudanças de tempo e intencionalidade entre um bloco de texto e outro. Sua introspecção fica comprometida. Há uma perda de intensidade pontual e, quando isso acontece, a “legião” desaparece e deixamos de vislumbrar alguns dos tempos tão ricos que estavam ali em potencial, mas não se manifestam. Nestes momentos, Cléo deixa de experimentar o tempo e acaba caindo na nossa pressa.

Sinto, então, a vontade, como público e como ator, de sentir Cléo variar mais em intenção, ritmo e afeto, o que poderia ativar melhor as distâncias infinitas que existem entre uma frase e outra do texto e, salvo engano, nos possibilitaria enxergar melhor seus movimentos internos e talvez os externos.

Nas vezes em que esse movimento interno é visível, como no gramelô, no “conectando” ou quando ela diz “vê se me desclassifica!”, nos movimentamos junto na plateia e nos sentimos incluídos como parte de sua legião. Para nós é catártico e nos tira da nossa apatia de preguiçosos dominados por robô.

Este é um apontamento muito específico que eu acredito que pode contribuir para esta peça que está tão linda e bem sucedida.

Parabenizo mais uma vez a todos os envolvidos: parabéns!

Estou muito grato.

E hoje, porque eu tinha tomado o café da Cléo, não tomei garapa. É melhor obedecer*.